sábado, 26 de setembro de 2015




Os donos da voz
Um painel do rádio capixaba pelos perfis de seus locutores
TCC DO ALUNO ELTON LIRIO -  VITÓRIA 2011

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. José Antonio Martinuzzo.

Toque de mulher
Dividida entre ser mãe, esposa, dona de casa e locutora, Vanda Simas conta que o rádio apareceu de surpresa em sua vida e transformou-se em algo que agora não consegue mais viver sem
A música do capixaba Roberto Carlos está ao fundo da nossa conversa com a comunicadora Vanda Simas, mas sua história parece ser bem contada por outra canção. “Dizem que a mulher é o sexo frágil, mas que mentira cabeluda. Eu que faço parte da rotina de uma delas, sei que a força está com elas...”. E de fato está, como diz o trecho acima, do sucesso “Mulher”, de Erasmo Carlos. Se o radialista do século XXI tem que cada vez ser mais versátil e multitarefa, disso as mulheres entendem. Também ser mãe, esposa, dona de casa e ainda locutora de uma emissora de rádio pertencente a um dos maiores grupos de comunicação do estado não é tarefa das mais fáceis.
Esbanjando simpatia e dedicação ao seu trabalho, Vanda se divide entre a nossa conversa, os dois computadores, a mesa de som, o telefone e o microfone. É hora do “Tribuna e o Rei”, um especial da emissora com duas horas de músicas do cantor cachoeirense. Enquanto monitora os blocos musicais e a hora em que deve entrar no ar para anunciar as canções ou mandar abraços para os ouvintes, a radialista ainda pesquisa notícias na internet, atende os telefonemas e coloca o público para falar ao vivo. Se alguém pede uma música é ela mesma quem deve pesquisar e adicioná-la na lista do programa. Sobre a mesa estão papéis com nome e bairro de quem está acompanhando, além de laudas com textos que serão usados na atração da tarde.
Em um passado nem tão distante isso tudo jamais passava pela cabeça de Vanda Simas. O rádio não estava nos planos. Apareceu de surpresa nessa história que começa quando ela decidiu largar o emprego de recepcionista em uma clínica, onde já estava havia dez anos. Católica praticante e bastante ativa em sua paróquia, tinha amizade com Maria da Luz Fernandes, portuguesa da Ilha da Madeira, que na época (meados da década de 1990) era diretora de rádios da Arquidiocese de Vitória. Vanda ligara para a amiga avisando que estava desempregada, até então sem qualquer pretensão de trabalhar no meio. Enquanto isso, para tocar a vida, fazia bicos na imobiliária de um amigo, ajudando a organizar o negócio de forma temporária.
Um belo dia, trabalhando na empresa, Vanda resolve ligar para casa para saber como iam as coisas, um telefonema de rotina. “Minha mãe me disse: „ligaram para você, foi uma tal de Maria da Luz. Ela perguntou se estava trabalhando e eu falei que estava e ela disse que era um emprego para você, e desligou‟. Eu na mesma hora peguei o telefone e liguei para ela que me disse: „Olha, eu tenho uma vaga aqui para produtora religiosa‟, que era uma função que tinha lá na rádio, que cuidava dos programas religiosos, corrigia os erros, escolhia as músicas”, conta.
Mesmo sem muito conhecimento e noção de rádio ela resolveu aceitar esse desafio. E assim começou na América AM produzindo programas religiosos e nomes como Anderson Lisieux e Toninho Portes, este último, aliás, com quem Vanda trabalhou de forma mais freqüente. “Nunca havia passado pela minha cabeça trabalhar em rádio”, confessa. Ela lembra que ainda controlava as gravações e elogia a época. “A fase mais gostosa da minha vida foi essa. Foi tudo que eu aprendi, foi a minha cozinha”, afirma.
Microfone
Um ano e meio depois, chegou a vez de Vanda mudar de função e integrar a equipe de jornalismo da emissora. Nesse meio tempo, ela resolveu também estudar Rádio e TV na antiga Escola Técnica Federal, já que tudo para ela era muito novo. “Eu pensei: Meu Deus, o que é isso, que mundo é esse? Eu sou muito ansiosa e tenho que aprender. Não posso fazer mais ou menos, tenho que fazer muito bem”, lembra.
Da época do curso técnico, a radialista se recorda de um incentivo que mudaria seu rumo. “Todo professor que entrava na aula me perguntava se eu fazia locução. Diziam que eu tinha que fazer por que a minha voz era muito boa”. Esse pensamento ficou martelando e ela resolveu pedir ajuda ao professor e consagrado locutor Adelson Álvares. O mestre a incentivou a ir em frente com a idéia. “Ele começou a me dar uns toques na aula quando ele podia. E aí a Maria da Luz me chamou para ser voz padrão. Só que eu não tinha condição técnica nenhuma de ser voz padrão. Daí eu pedi ao Adelson e levei para a sala de aula as vinhetas que ela queria que eu gravasse para ele me dar as técnicas e tal. A partir daí eu comecei a olhar mais para a locução”, afirma.
O duelo entre locução e produção sempre esteve muito presente para Vanda Simas, tanto que ele afirma até hoje ser muito preocupada em produzir seus programas. Com o incentivo dos colegas e a vontade de tentar algo novo, ela pleiteou junto à direção da rádio o comando de alguma atração para que pudesse desenvolver a idéia na prática. E conseguiu. “Meu primeiro programa foi „A vida da gente‟, que era transmitido aos sábados, entrava a uma da tarde e saía às seis horas. Comecei assim, ficava cinco horas no ar e durante a semana eu fazia a produção de Toninho e dos outros”, conta. Tudo seguia na sua devida normalidade até que uma mudança na emissora deixaria toda a direção preocupada e mexeria diretamente com Vanda.
O desafio
Era outro telefonema de Maria da Luz Fernandes. A novidade era preocupante para a 690. Toninho Portes, que já era o principal nome da emissora, estava de partida para os 640 Khz da Rádio Vitória AM (ver capítulo 1). Diante da saída de seu principal animador, a América precisava de um substituto. Mas como arrumar alguém com o mesmo peso do locutor? A conjuntura levou Da Luz a arquitetar uma solução caseira. O nome? Vanda Simas. “Ela me fez essa proposta para eu assumir o horário de Toninho por que ele ia para outra rádio. Eu fiquei doida: não, Maria da Luz, tem menos de um ano que eu tô fazendo rádio, não tem condições. Ela me disse „Você tem condições de fazer, eu vou te dar os toques, vou te ouvindo, mas eu quero que você faça o programa do Toninho”.
Desafio aceito, daí em diante era hora de, aos poucos, moldar o programa, ver quais os quadros que se pareciam com a locutora e imprimir seu próprio estilo à atração. E assim, o programa “Sintonia de Amigos” com Toninho Portes passou a ser com Vanda Simas, sem transformações muito bruscas para que a rádio não sofresse com a perda dos ouvintes. “O medo era exatamente esse. O Toninho é muito forte, então se você coloca uma nova locutora e um novo nome, ia dar um abalo muito forte. O programa continuou o mesmo, só que com as minhas coisas: se ele começava com uma mensagem, eu criei uma mensagem com a minha voz. No encerramento era uma música de amizade, eu escolhi outra canção nesse mesmo tema porque não podia mudar muito para não ter aquele impacto muito forte”, recorda.
Programa no ar, era hora de Vanda Simas desenvolver seu próprio estilo sem abandonar o que vinha dando certo com o colega a quem sucedera. Ela conta que nesse período passou a ouvir muito mais rádio para assimilar novas idéias e conhecer outras referências. “No início não ouvia ele (Toninho), mas outros colegas da América e de emissoras diferentes para eu ter o meu estilo próprio”.
Se Toninho Portes afirma que um de seus pontos fortes é a fidelidade de seus ouvintes que migram de estação atrás de sua voz, esse era o grande problema para Vanda. O agravante era que seu antigo companheiro de emissora, de quem inclusive produzia os programas, passou a ser agora um concorrente direto no horário matutino. E o pior: na freqüência imediatamente anterior. “Esse era o meu desafio. A rádio não podia perder. Tinha que cativar os que já estavam e não permitir que eles fossem. E eu graças a Deus consegui isso, porque eu já tinha o contato com o ouvinte, estava nas comunidades dando curso de formação e muitos deles já eram meus amigos, independente do rádio. E tinha os ouvintes dele também”, recorda.
Uma curiosidade lembrada por Vanda, era que muitos ouvintes participavam mais cedo do programa de Toninho Portes na outra emissora e mais tarde já estavam com ela no “Sintonia de Amigos”. “Ganhei muitos outros ouvintes também”, afirma.
Descanso
Após sete anos à frente do programa e agora mãe da pequena Sofia, à época com 4 anos, Vanda sentiu que precisava de descanso. Numa sexta-feira pediu para sair da Rádio América. Afinal, eram muitos papéis e a rotina de mãe, esposa e locutora estava cada vez mais apertada. Foi um período de quase um ano fora do ar e desempregada, que ela afirma ter sido bastante difícil. “Comecei a pirar, porque com essa vida louca que a gente leva aqui, parar de uma hora para a outra assim não tem como”. Nesse tempo ela também descobriu que o rádio significava para a sua vida bem mais do que ela mesma imaginava. “Quando eu fiquei desempregada e fiquei sem ele, eu percebi isso. Acho que ele era uma artéria da minha vida, aquela essencial sabe? Aí de repente você vai e sofre um acidente vascular e ela se rompe, para tudo. Foi mais ou menos isso que eu senti nesse um ano”.
Diante disso a vontade de voltar falou mais alto. Ficar em casa já não satisfazia mais. Vanda sentia falta dessa alegria e, é claro, do contato com seus ouvintes. “Eu que não tenho tendência à depressão achei que fosse entrar em depressão. Ele é tudo. É ele quem me move, que me faz ser mulher, ser mãe. Não tem jeito. Ele está por trás de todas as outras atribuições. Nunca imaginei que ia ser tão bom. Marcou a minha vida”, confessa.
A vontade de voltar já era grande e mais uma vez as coincidências da vida agiram a seu favor. Depois do período de descanso, a radialista procurou vários contatos para dizer que estava desempregada e querendo voltar ao meio. Foi então que José Mário Menelli, programador musical da Tribuna AM, que, aliás, até hoje Vanda não sabe como ficou sabendo que estava desempregada, telefonou-lhe dizendo que a rádio precisava de alguém para cumprir férias dos locutores e da programação musical da casa. Era um contrato temporário de apenas quatro meses. A locutora resolveu se candidatar à vaga e depois de testes e entrevistas foi aprovada.
Ainda que de forma temporária, estava aí o ela queria. Enfim, sua voz poderia ser ouvida outra vez no dial da Grande Vitória. Faltando uma semana para começar, Vanda percebeu que teria mais um desafio pela frente. Na maioria das estações a figura do operador está entrando em extinção, no entanto, quando a radialista deixou a emissora da Arquidiocese eles ainda existiam – por sinal um de seus operadores era seu marido, Sandro Modesto.
O resumo dessa balada, como diria o jornalista Luiz Trevisan, é que, além de voltar ao microfone, ela teria que aprender em tão pouco tempo a operar os equipamentos de áudio. “Olha o meu erro: em tanto tempo de rádio eu ainda não tinha operado. Eu não sabia nem como funcionava. Liguei para o Cleilton (Bastos – ex-operador e atual gerente artístico da Rede América) que me deu uma aula num sábado. Falei aqui que se teria alguma dificuldade que eu ia ter ela era a mesa de som. Fiquei aqui uma quinta e uma sexta e na segunda já comecei, lembra”.
Em definitivo
E assim foi durante quatro meses, três na locução e um na programação musical. Quando seus colegas voltaram de férias a locutora foi dispensada, no entanto, o trabalho de Vanda agradou tanto aos seus novos chefes e ouvintes que no ano seguinte foi convidada a repetir a dose e fazer novamente o período de descanso dos locutores da emissora.
Mas algo seria diferente dessa vez. Após as férias, um dos locutores da casa deixou a emissora e a porta estava aberta para a Vanda Simas se tornar o principal nome da Tribuna AM. “Foi assim, através de amigo. Para você ver como é bom o rádio. É amizade”, destaca.
De segunda a sexta, ela está no ar a partir das 11 da manhã com o “Ligue e se ligue”, de 12 às 13h com “As músicas que marcaram época”. Aos sábados, a partir das 11h, são duas horas com o “Tribuna e o Rei”. De segunda a sábado, a partir das 13h ela comanda o “Show da Tarde”, até as 15h com muita música e participações do ouvinte. “Liga pra mim, meu amor, não me deixe sozinha”, diz a locutora ao anunciar o telefone da 590.
Mais uma vez incumbida de substituir alguém, Vanda conta que novamente teve de se adaptar a formatos de programas já existentes na emissora. Suas idéias foram sendo inseridas aos poucos. Uma diferença, porém, da primeira experiência que tivera na América AM é que dessa vez as atrações que comanda são totalmente populares, sem a parte religiosa que a levou para a produção da rádio da Mitra. “O programa que eu fazia lá era bastante religioso, tinha (o quadro) „A Bíblia na mão‟ e etc. Eu tive que abandonar esse lado religioso enraizado, mas eu ainda tenho muito toque de religiosidade no meu trabalho. Eu gosto e acho muito importante. A mensagem que fazia lá eu continuo fazendo aqui, valorizo, por exemplo, a questão da espiritualidade dos santos, trago o santo do dia e às vezes conto um pouquinho da história. Não dá para falar muito, mas eu dou umas pinceladas”, confessa.
A locutora garante ainda que apesar da parte religiosa não ser mais tão forte, os anos à frente do “Sintonia de Amigos” contribuíram muito para o formato de suas atrações atuais. “Eu trouxe um monte de quadros da América, por exemplo, a charada que é o ponto forte do „Show da Tarde‟. Trouxe o „Toque de Mulher‟, que foi um quadro que eu criei na época do curso de rádio no Cefetes, com dicas para a mulher. Também a receita, que não tinha aqui na rádio, o direito do consumidor, enfim, vários. Aqui eles não tinham esse hábito do quadro, que é uma plástica muito típica da América. A minha locução é desse jeito, vou abrindo quadro e vou dando informação”.
Outra coisa que a radialista diz valorizar muito em suas atrações e o jornalismo. Como fazia antes de chegarmos ao estúdio, ela mesma procura notas na internet para deixar os ouvintes sempre a par das últimas informações. “O toque é esse, popularidade, a questão da mulher e o jornalismo que é mais que informação, é educação no rádio. Não sou jornalista, mas eu fui descobrindo a importância, nem sei explicar como isso aconteceu, mas eu gosto da informação”, reafirma.
A adaptação aos formatos da emissora também exige muito estudo e dedicação. Para apresentar o “Tribuna e o Rei”, por exemplo, ela pesquisa sobre as diversas fases de Roberto Carlos e a cada dia procura aprender mais sobre o cantor, já que ela admite não ser tão fã. “Eu peguei um programa que já estava no ar. Por isso, eu pesquiso muito na internet e leio muito. Conhecer, eu conheço, tem até algumas músicas que marcaram a minha vida, mas para você apresentar um programa de duas horas você tem que conhecer muito se não acaba falando besteira. Isso para mim não é uma dificuldade, é um desafio”, reitera.
Patrimônio
Mais do que ouvintes Vanda afirma ter conquistado amigos. Ela conta que as pessoas entraram na sua vida de tal maneira que passou a se estabelecer até certa intimidade. E a recíproca é verdadeira. Enquanto estávamos no estúdio, por exemplo, uma ouvinte ligou e a locutora, sempre simpática, perguntou se ela estava gostando do novo emprego em uma confecção. Coisa de quem é atenciosa com cada um dos que ligam para ouvir o seu programa.
“Desde que eu comecei no rádio os ouvintes sabem o dia do nascimento da minha filha, o dia do meu casamento, do aniversário do meu marido... No dia do meu aniversário me ligam... Os ouvintes que são fiéis mesmo têm esse contato maior, porque vira amigo”, afirma.
Essa relação vai além das fronteiras impostas pelas freqüências do dial, isso é mesmo ouvindo outras emissoras ainda há quem ligue para Vanda para cumprimentá-la ou até mesmo dizer que está com saudades. “A gente não pode abrir muito a nossa intimidade, mas não tem jeito. É legal ter essa intimidade no rádio. Eu coloco aqui, no meu aniversário, por exemplo, o ouvinte para falar e faço a maior festa no ar”, destaca.
Para Vanda esse é o ponto mais forte do rádio. No entanto, se a relação de fidelidade e de amizade é mútua, a locutora deixa claro que ela não significa exclusividade de nenhum dos dois lados. “O ouvinte é fiel. E aí quando eu falo de fidelidade não quer dizer que ele não ouça outro. Ele ouve o outro, mas ele é fiel a você. Ele te liga e quer saber como você está. Isso que é legal”. A reciprocidade do ouvinte tem uma explicação: a locutora diz que procura ser ela mesma e não interpretar ao microfone. “Eu não sou uma personagem. O que eu sou aqui eu sou do lado de fora. Por isso que às vezes eu emito emitir a minha opinião no ar, porque a gente tem que ser imparcial, embora na locução a gente tenha essa liberdade. Aqui é Vanda Simas mesmo. Do jeito que eu sou lá em casa, na igreja...”, reforça.
Essa desenvoltura no contato com o público é para Vanda o seu diferencial. Ela defende um rádio cada vez mais próximo de quem está do outro lado, mais amigo e comunicativo. “Meu contato com o ouvinte é diferente. Eu nunca o desprezo. A gente precisa deles. O ouvinte para mim é tudo. Há locutores que chegam num estágio em que acabam se afastando do ouvinte. Acho que o diferencial está aí: tratar sempre quem está do outro lado com carinho e com gentileza. Essa é a minha marca no trabalho”, afirma.
Parabéns, papai
O fato de o rádio mexer com a imaginação do ouvinte já rendeu algumas saias justas para Vanda. Ela se lembra que um de seus companheiros de trabalho, quase inseparável nos tempos de América, era o jornalista Vander Silva. Mesmo grávida de Sofia, a radialista estava trabalhando na cobertura da Festa da Penha, quando em meio às festividades no Convento próxima ao carro da rádio, recebeu o carinho de uma ouvinte. A fã passou a mão em sua barriga e começou a perguntar pela criança, se já soubera do sexo, e etc... “Ela abraçou o Vander e disse: Parabéns, papai, pelo filhinho e blá blá blá! Aí eu virei para ela e como eu gosto muito de brincar com o ouvinte falei: Espera aí, você está arrumando outro pai pro meu filho?”, lembra às gargalhadas. Talvez por estar no ar sempre no mesmo horário o público sempre costumava confundir. Vanda Simas narra também que era quase lenda no imaginário dos ouvintes da rádio que ela era casada com o jornalista. “Às vezes até no ar falavam! Eu não sei o que eles tinham na cabeça que achavam que Vander era meu marido e pai da minha filha, não tinha jeito. A gente trabalhava no mesmo horário e sempre quando íamos para a externa íamos juntos”, conta. Para justificar o equívoco alguns ouvintes até diziam que o operador e verdadeiro marido de Vanda, Sandro Modesto, tinha uma grande semelhança física com o colega, mas a locutora jura de pés juntos que isso não é verdade. “Uma vez uma ouvinte lá dentro da rádio parabenizou eu e o Vander pelo casamento (risos). É uma saia justa. Para o homem tudo bem, mas para a mulher é complicado, não é? Ficarem apontando outro homem... (risos)”.
Outro mito alimentado pela ausência de imagem do rádio é o da aparência. A radialista conta que alguns ouvintes se surpreendam quando a conhecem pessoalmente. “Muita gente pensa que eu sou loira, aliás, estou até pensando em fazer umas luzes no meu cabelo. Outros pensam que eu sou uma senhora de uns sessenta anos”, conta a radialista.
Mas a imaginação não é só por parte de quem está do outro lado. Vanda conta que ela mesma imagina quem são seus ouvintes, já que alguns deles ela só conhece mesmo por telefone. “Às vezes o ouvinte liga e fala: Estou aqui estendendo roupa, e eu já imagino o quintal da mulher, que ela está estendendo roupa e o radinho está lá na área. Eu tenho esse imaginativo muito forte.”
Toque feminino
Historicamente o rádio exaltou muito os tons graves das vozes dos locutores homens. Ainda hoje, apesar de existirem outras colegas atuando no meio, Vanda Simas acredita que ele ainda é muito fechado para as mulheres. “Acho que a mulher é totalmente desprezada. Não querem mulher no rádio. Até falam que é importante, o ouvinte quer, mas quem dirige as rádios não. Querem homem, é algo machista. Não é por que não tem. Às vezes, não tem porque não existem oportunidades e as pessoas não trabalham para isso. A gente sabe que são poucas mulheres, especialmente aqui em Vitória, porque aí fora são várias mulheres de referência”, revela.
Ela continua afirmando que o número de mulheres no interior também é maior do que na capital e acredita que a rejeição se estende até às gravações de
vinhetas e comerciais. “Você vê que tem peças publicitárias que eram exatamente para uma mulher fazer e tem homem fazendo”. A opinião da radialista é bem polêmica se considerarmos também que boa parte do público do rádio é formado por mulheres. “Elas precisam de uma voz que fale para elas e por elas. Eu acho que isso quando eu entrei aqui e até mesmo quando eu comecei na América foi a grande diferença, tanto que as ouvintes mesmo me falaram isso. E ainda tem outra coisa: homem gosta de voz de mulher”, afirma.
Como mulher e profissional do rádio a rotina de Vanda é bem apertada. Ela tem que conciliar o trabalho, os afazeres da casa, o cuidado com a pequena Sofia, e tantas outras tarefas. Não é uma missão das mais fáceis, mas ela consegue dar conta. Se a rotina é apertada? “Eu desisti há dois anos por causa disso. Saía, ia pra rádio e não sabia. „Mãe fica com a Sofia hoje? ‟ ou pedia para minha irmã pegar ela na creche... Eu sempre sonhei em ser mãe e não conseguia porque eu não tinha condições financeiras de parar o que eu fazia. É difícil, é complicado, mas ainda nós temos uma garantia de que a gente trabalha somente cinco horas. Trabalhando meio expediente no outro período você consegue ser mãe, esposa e dona de casa”, comenta.
Cenário
Analisando o rádio AM no Espírito Santo, Vanda afirma categoricamente que faltam investimentos e que as emissoras seguem concentradas ou nas mãos de grandes grupos de comunicação ou nas mãos de igrejas. Ela coloca também que o FM é muito mais valorizado, seja pelo mercado publicitário seja pelos donos das estações. No entanto, para ela o AM ainda guarda algo especial. “O AM é o coração do rádio, não tem jeito. Podem criar vinte FMs, mas a AM que tiver um trabalho bem feito ela mantém o pulsar da comunicação.”
Outra carência que a locutora aponta no Estado diz respeito à formação de novos profissionais, já que existe apenas uma faculdade e um curso técnico na área de Rádio e TV. “Falta escola para quem quer aprender a fazer rádio. A gente não tem praticamente. Só tem o Vasco Coutinho e ainda assim ficamos praticamente três anos sem formar novos técnicos”, destaca.
Apesar de todas essas dificuldades, a radialista acredita que o meio não vá sucumbir. Uma reflexão interessante proposta por Vanda é que o meio sempre enfrentou concorrentes, mesmo os mais triviais e, no entanto, está aí vivo até hoje. “Acho que é esse lado tradicional que não deixa o rádio morrer. Porque ele concorre, por exemplo, com a bicicletinha do bairro em termos de comercial. Por que aí o cara pensa: Eu vou anunciar no rádio? Vou colocar lá na bicicletinha do bairro que roda muito mais. Então sempre teve essa concorrência, não é de agora, não é com a internet só. O rádio vem perdendo espaço há muito tempo”, pondera.
Para ela, a paixão pelo rádio é que move o ouvinte e com isso mantém o meio vivo, mesmo que sem todo o poder de antes. “As pessoas que ouvem rádio, ouvem rádio. Elas não trocam o rádio por televisão nunca. Vejo pelos meus ouvintes. E o que é legal, seu pai ouve rádio você é amante do rádio. Então essa questão de herança é muito forte. O rádio consegue manter isso. Vai passando de pai para filho. É isso que não deixa o rádio morrer”, acredita.

Vanda é bastante otimista quanto ao futuro e acredita que em algum momento os olhos vão se voltar para o rádio AM, em especial com a implantação do rádio digital no Brasil, que deve representar um salto de qualidade técnica. “O problema do AM é exatamente a freqüência, muita gente reclama e diz que não ouve a „caixa de baratas‟. Eu acho que vai haver mais investimento com o rádio digital. A tecnologia para rádio também tem avançado e eu creio que o meio vai melhorar muito”, vislumbra.

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